segunda-feira, 1 de março de 2010

2009: Um ano em estado de choque

Por JOÃO TANCREDO*

No último dia 05 de janeiro a chamada “Operação Choque de Ordem” completou um ano de sua implantação pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. O programa, carro-chefe da administração Eduardo Paes, traz em seu bojo a elitista bandeira de expurgo da desordem urbana, com um conjunto de medidas de maior severidade com o trânsito de veículos, remoção de moradias “irregulares”, repressão sistemática aos trabalhadores informais e remoção arbitrária de população de rua. O plano seria minuciosamente orquestrado pela logística de apartheid gestada pela recém-criada Secretaria de Ordem Pública, contando com a rápida duplicação da Guarda Municipal, agora ainda mais treinada para desferir choques.

Em relatório datado no dia 27 de dezembro, a Prefeitura divulgou o balanço dos “feitos” da dita operação durante seu ano inaugural. Os dados impressionam, são 743.559 multas e 25.570 veículos rebocados, durante as operações Choque de Ordem. Também durante o ano, a Secretaria demoliu 1.167 unidades construídas, entre elas, 60 prédios, 28 casas e 248 barracas de comércio informal. Com relação à apreensão de produtos piratas, houve um aumento de 546% no volume de material recolhido, em comparação com o ano de 2008. Ou seja, foram apreendidas mais de 357 mil mídias, enquanto que no ano passado as apreensões ficaram em torno de 65 mil mídias.

O esforço hercúleo da operação busca em última instância transfigurar a cidade, que historicamente convive com o mercado informal. A informalidade é parte da identidade da cidade, fruto de um Estado corrupto, elitista e ineficaz. Assistimos à ânsia de aprofundar o modelo que aposta na segregação social ao invés da inclusão, de incremento da política criminal repressiva ao invés de políticas públicas de cidadania, como saúde, educação, trabalho e moradia. É o total desprezo pela concepção de cidade democrática para a satisfação de interesses mercadológicos.

A vinda de grandes eventos de renome internacional como a Copa do Mundo e as Olimpíadas voltam a atenção do capital transnacional para o Rio de Janeiro. A empreitada frenética ambiciona maquiar a cidade para os olhos dos turistas, “jogar a sujeira para debaixo do tapete”. Expulsar os “sobrantes” da sociedade de consumo para os guetos mais distantes do centro e dos bairros nobres, entulhá-los nos presídios e unidades de internação de crianças e adolescentes (os verdadeiros projetos habitacionais para a pobreza na atualidade), e recolhe-los forçadamente nos abrigos precários. Longe de uma cidade para tod@s, a ordem é de impor uma cidade para poucos. Até quando ficaremos em estado de choque diante do florescimento do fascismo social na “Cidade Maravilhosa”?

*Presidente do Instituto de Defensores de Direitos Humanos

Fonte: Agência de Notícias das Favelas.
http://www.anf.org.br/2010/02/26/2009-um-ano-em-estado-de-choque

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores

Visitantes